O que há em 'Sagração dos Desejos — Sonetos de Dominação e Êxtase'?
- Fernando H. G. Nunes

- 15 de ago
- 3 min de leitura
Atualizado: 24 de nov
Há desejos que não se contam. Eles começam como um sussurro, um gesto, um olhar que pesa mais do que qualquer palavra. Crescem no silêncio, na tensão que antecede o toque, no pacto mudo de quem sabe que o prazer verdadeiro não está apenas no que o corpo faz, mas no que a mente ousa imaginar.
Foi nesse altar invisível que nasceu Sagração dos Desejos — Sonetos de Dominação e Êxtase.
Não de um impulso súbito, mas de um percurso: encontros reais e imaginados, diálogos sujos e sublimes, experiências no Grindr com homens que diziam buscar dominação e submissão, mas que na verdade temiam atravessar as portas que esse jogo exige. Queriam o título, não a entrega; o ato, não o rito.
Ali percebi que a relação entre dominar e se submeter — e o êxtase que dela brota — não se alcança com a lógica simplista de vídeos que se proliferam e dividem o sexo gay em um duo simplista de ativos e passivos. Isso é apenas o alfabeto básico de um intercurso anal. O que me interessava era a gramática secreta, o texto oculto que a mente escreve usando o corpo como instrumento, mas que só se completa no território onde não há mais pudor nem nome para o prazer. As posições são determinadas pela mente e suas necessidades de ser exaltado e de ser humilhado, como uma relação entre o homem e a deidade.
Por isso, os 40 sonetos deste livro não são sobre a pressa de gozar, mas sobre a ciência de saborear o prazer nos lugares mais recônditos da mente, aqueles que a moral chama de vício, a norma rotula como degradantes e a fantasia reconhece como sagrados.
Dois livros acenderam essa chama:
A Ilha, de Carlos Moliterno, que me devolveu o amor pelos sonetos e me ensinou que cada desejo é, por si, uma ilha.
A Obscena Senhora D, de Hilda Hilst, que me deu de beber a solidão moral, me alimentou com palavras cruas e me fez viajar entre adoração e loucura, êxtase e sagração.
Sagração dos Desejos é, para mim, uma obra radical e transgressora: um conjunto de sonetos que tensiona o sagrado e o erótico em seus limites mais extremos. É a minha liturgia pagã do corpo, onde o desejo é rito, a dor é oração e o gozo é redenção.
Com linguagem explícita, moldada na estrutura clássica do soneto, construí uma poética da submissão que é crua, embora busque alguma estética ou mesmo alguma filosófica. Dividi-a em duas partes — Alpha, onde estão o domínio e a ordem, e Omega, onde habitam o gozo e a redenção. É o percurso iniciático que leva o corpo de território de posse à sua consagração final como templo de êxtase.
Na natureza, por exemplo, a matilha se organiza pela força e pela entrega: o lobo alpha conduz, dita o ritmo, marca o território; o lobo ômega acolhe, serve, mantém a coesão do grupo, absorvendo e devolvendo a energia que recebe. No meu livro, essa dinâmica é mais do que metáfora: é essência. Alpha e Omega não são apenas posições na hierarquia do desejo, mas arquétipos que moldam cada verso, imprimindo na carne e na palavra a tensão vital entre comando e obediência, entre a fome de possuir e a dádiva de se oferecer.
A cada soneto, tento fazer a carne se tornar verbo e o verbo se fazer carne, dialogando com Sade, Glauco Mattoso, Hilda Hilst e a tradição barroca brasileira, mas com o olho na poesia queer contemporânea. Busquei um próprio território, cravado na carne e marcado pela palavra, onde o sagrado se curva ao profano e o profano se eleva ao sagrado, até que já não haja fronteira entre um e outro. A travessia estará aberta. Quem entrar nesse território proibido não sairá o mesmo.
A publicação, em parceria com a Editora Viseu, já está disponível para compra aqui.










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