fonema EXPOSTO_prólogo
- Fernando H. G. Nunes
- 15 de jun. de 2020
- 4 min de leitura
Atualizado: 28 de jan.
FONEMA [isolado] é uma obra que surgiu no isolamento promovido pela covid-19 no mundo, no meio deste triste momento que trancou também o Brasil em casa. Momento confuso de ideias políticas, de pessoas confusas na política, de perdas irreparáveis de vidas.

Como condensar um pouco de tanta dor, barulho, milhões de palavras, opiniões, vivências e "internetices" em poesia? É possível?
Encarei o desafio, que me pareceu grande demais. Encarei-o sem a pretensão de dar conta de tudo do momento, mas com o compromisso de abrir pequenas brechas, as de sentimentos, para as coisas, todas elas, que nos atravessam agora.
Na capa, eu trago as cores da bandeira brasileira, em outros tons, porque eu queria fazer poesia da vida de meu povo, e meu povo é de tons alegres. Embora haja um tom escuro a cobrir o peito e escurecer o verde de nossas florestas - amazônica, pátria, interior. É um luto, não é mesmo? E até quando?
Pesquisas e mais pesquisas
Lancei-me às pesquisas, reunindo primeiro algumas ideias que me norteariam no atar das poesias que estavam vindo antes mesmo da ideia de um livro. Algumas válidas:
O isolamento dos corpos de todos e dentro de si;
As coisas todas ao redor, as ruas desertas;
As rotinas da 'quarentena' e suas relações;
A internet e sua posição de muitos "eus".
De onde vieram todas essas coisas? E, justamente, ponderando sobre essa última pergunta, eu regava um dia uma costela-de-Adão em casa, numa manhã de isolamento, quando me veio à cabeça o trecho da Bíblia que diz que Deus abriu um buraco no peito de Adão - como há na planta - e dali teria retirado uma de suas costelas, com a qual teria feito sua coadjutora idônea. Produzem o ar que, ao passar pelas articulações características da boca, produzem os fonemas presentes em palavras, frases, versos, gritos, lutas.
Por isso ali, na capa, vai a costela de Adão vazada, o fonema passando no meio... porque também, ao contrário do que teria feito Deus, o buraco no peito do homem nunca foi cerrado. Está isoladamente exposto. E cada um sabe o que tem dentro, não é? Isso posto, corri atrás, pela Bíblia mesmo, que conheço e releio com certa regularidade, da Criação, do homem, do mundo, das coisa. Isso está em Gênesis, todo o mito judaico-cristão está por lá. É um dos meus livros preferido também. Do mito da Criação vieram os capítulos, que se dividem em "é de manhã", "é de tarde", "é de noite" e "é de madrugada", porque embora a Bíblia diga que deus criou em "manhãs e tardes", nós, em sua semelhança, fazemos isso também em noites e madrugadas, onde estão fim e começo.
Mosaicos e mosaicos
Se a Linguística me havia feito chegar até o som, juntou-se a isso meu empenho de cumprir as palavras do poeta/profeta Waly Salomão de que "o lugar do ser poeta é o mundo eletrônico hoje", e colou-se mais a meu trabalho de pensar poesia para meios digitais, a fim de romper a distância, não só dos livros, mas também do gênero literário. Assim todos os fonemas do livro são também, ditos, falados, rápidos, brincam, provocam e são explicativos, secos, práticos, a domicílio. Tipo um app de poesia, porém sem frases de efeito, versinhos de ego. Poética inteira, que procurei trazer mais seca, como a realidade do buraco.
Falar de Criação implica também falar de destruição, pois tudo tem seu fim. O das coisas? Eu não sei. Todavia, por fim, eu quis falar de fim de um reino, repleto de ignorância, regido por rei lunático e democraticamente - pior - eleito. Se todo mundo se perde nos sons, ninguém se acha, os sons não formam palavras, não cresce o coro. Talvez seja isso a coisa importante que quero dizer neste livro, que quero lembrar: que está em nós o poder de criar, o coro de mudar, de se fechar, e de abrir. É por essa razão que eu falo sobre esse reino que foi pesado e não se achou valor, esse ano, em tantos sentidos, para muita gente, sem valor. E fui buscar isso em outro grande reino da história, a Babilônia. A sempre Babilônia perdida entre rios.
A capa é um trabalho da designer Kerollen Milena, que tão bem captou essa imagética em suas pesquisas e trouxe em sua criação a proporção Áurea e uma paleta de cores com os tons do dia e bem o seus sons. É dela todo projeto de diagramação do livro. Já o som ficou a cargo do professor Rodrigo Enoque, que na edição dos áudios, captou bem essas cores essas realidade.
Enquanto eu escrevia, ouvia muitas vezes a canção "A Victor" de Otílio Galindez e Roberto Todd, interpretada por Mercedes Soza. A letra é uma homenagem dos compositores ao poeta chileno Victor Jara, assassinado pela ditadura do Pinochet. Nos fonemas de línguas irmãs e semelhantes lutas e gritos, busco o espírito das palavras inolvidáveis. E, ora, que tarefa difícil!
Os poemas de FONEMA [isolado] podem ser ouvidos na playlist abaixo:
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